AGRAVO – Documento:7051553 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento Nº 5055958-66.2025.8.24.0000/SC PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001066-38.2015.8.24.0008/SC DESPACHO/DECISÃO Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por R. C. A. e W. C. contra decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Blumenau, que, nos autos do Cumprimento de Sentença originário, reconheceu a fraude à execução, nos seguintes termos (evento 166, DESPADEC1): Para reconhecimento da fraude de execução é necessária à convergência dos requisitos consistentes em alienação ou oneração de bens na pendência do processo (considerada a partir da citação válida), ausência de patrimônio suficiente para satisfazer o débito discutido nos autos e ausência de boa-fé do terceiro adquirente dos direitos reais, consoante arts. 774, I, 792, I a V, do CPC e 179 do CP.
(TJSC; Processo nº 5055958-66.2025.8.24.0000; Recurso: Agravo; Relator: ; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:7051553 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Agravo de Instrumento Nº 5055958-66.2025.8.24.0000/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001066-38.2015.8.24.0008/SC
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por R. C. A. e W. C. contra decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Blumenau, que, nos autos do Cumprimento de Sentença originário, reconheceu a fraude à execução, nos seguintes termos (evento 166, DESPADEC1):
Para reconhecimento da fraude de execução é necessária à convergência dos requisitos consistentes em alienação ou oneração de bens na pendência do processo (considerada a partir da citação válida), ausência de patrimônio suficiente para satisfazer o débito discutido nos autos e ausência de boa-fé do terceiro adquirente dos direitos reais, consoante arts. 774, I, 792, I a V, do CPC e 179 do CP.
Trata-se de ato atentatório à dignidade de justiça (contempt of court) que enseja o reconhecimento da ineficácia do negócio jurídico respectivo, independentemente da confirmação da intenção de fraudar (consilium fraudis), conforme art. 794, § 1º, do CPC.
É protegido, todavia, eventual terceiro que tenha adquirido os bens de boa-fé, mormente porque cabe ao credor promover a averbação da pendência de demanda ou de penhora junto ao registro pertinente, com o intuito de resguardar seus direitos, conforme interpretação do art. 828 do CPC. Ademais, a penhora do bem alienado a terceiro, quando não demonstrados indícios razoáveis de má-fé, pode ensejar a dedução de embargos de terceiro senhor e possuidor, causando maior tumulto ao feito executivo, conforme art. 674, § 2º, II, do CPC.
Sobre o tema, o Superior orienta que “o reconhecimento da ocorrência de fraude à execução exige o preenchimento dos seguintes requisitos: a) existência de ação judicial contemporânea à transferência do bem; b) possibilidade de insolvência do devedor alienante; c) má-fé do terceiro adquirente. Nos casos em que não há penhora registrada, a má-fé do adquirente do bem deve ser comprovada pelo credor, ao qual incumbe demonstrar a ciência daquele quanto à tramitação da ação de execução e quanto à possibilidade de insolvência do devedor alienante” (TJSC, AI 2008.044590-9, Edson Ubaldo, 05.05.2009).
Aplicando tal entendimento ao caso concreto, verifico que a intimação para cumprimento da sentença ocorreu em 28/09/2015. A doação feita pela executada WALLI de CARDOSO de 50% do imóvel matriculado sob o nº 4.067, do Registro de Imóveis da Comarca de Rio do Sul, ao seu filho SAMUEL CARDOSO, por sua vez, ocorreu em 06/09/2018, consoante consta da matrícula do imóvel (evento 147, MATRIMÓVEL2). A existência de Usufruto em favor da executada WALLI, que ainda reside neste imóvel (o credor não nega tal fato!) não é óbice, entendo, ao reconhecimento da fraude, porque esta restrição é plenamente possível de se prolongar no tempo, afinal de contas, ela pode coexistir com a nú-propriedade em que terceiro seja titular.
Da mesma forma, em 25/09/2018 a executada W. C. doou a seu filho ISAIAS CARDOSO 50% do imóvel matriculado sob o nº 5.652 do Registro de Imóveis da Comarca de Rio do Sul (evento 147, MATRIMÓVEL3), com reserva de usufruto em seu favor (Walli). Mas no caso em apreço há uma particularidade. A executada Walli sequer vive no imóvel, de modo que não há razão para que se preservar o usufruto.
Portanto, entendo caracterizada a fraude de execução com relação aos bens em questão 50% dos imóveis matriculados sob os nº 4.067 (preservado apenas o usufruto) e 5.652 (sem preservação do usufruto) qualquer restrição), ambos do Registro de Imóveis da Comarca de Rio do Sul.
Entretanto, antes de declarar a ineficácia da(s) respectiva(s) doações, determino a intimação dos donatários supracitados para oporem embargos, dentro do prazo de 15 dias (ou de 30 dias em se tratando de advogado de pessoa jurídica de direito público, membro do Ministério Público e defensor público ou pro bono), conforme art. 792, § 4º, do CPC.
Intime-se ambas as partes sobre o teor desta decisão e, inclusive, a parte exequente para requerer o quê entender cabível, dentro do prazo de 15 dias (ou de 30 dias em se tratando de advogado de pessoa jurídica de direito público, membro do Ministério Público e defensor público ou pro bono).
Nas razões recursais, os agravantes sustentam que residem no imóvel de matrícula n. 4.067, doado ao filho, sob a proteção do usufruto, sendo este seu único bem de moradia, o que atrai a proteção da impenhorabilidade prevista no art. 1º da Lei nº 8.009/1990.
Na decisão de evento 24, DESPADEC1, o recurso foi conhecido e a medida liminar deferida.
Intimado para contrarrazoar (evento 24, DESPADEC1), o agravado deixou o prazo transcorrer in albis.
É o relatório.
Os pressupostos de admissibilidade foram analisados na decisão de evento 24, DESPADEC1, razão pela qual, sem maiores digressões, conheço do recurso e passo ao julgamento monocrático, conforme dicção da Súmula n. 568 do Superior , rel. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 05-08-2025).
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO FISCAL. ICMS. REDIRECIONAMENTO AO EX-CÔNJUGE. PARTILHA DE BENS EM DIVÓRCIO. PENHORA DO ÚNICO IMÓVEL UTILIZADO COMO RESIDÊNCIA. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. A AUSÊNCIA DE AVERBAÇÃO DA PROPRIEDADE NO REGISTRO IMOBILIÁRIO NÃO OBSTA A OPONIBILIDADE DA IMPENHORABILIDADE, QUANDO COMPROVADOS A POSSE LEGÍTIMA E O USO COMO MORADIA. A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E A TRANSFERÊNCIA DA FRAÇÃO IDEAL DO IMÓVEL À EX-ESPOSA, POR FORÇA DE PARTILHA HOMOLOGADA, NÃO AFASTAM A PROTEÇÃO LEGAL DO IMÓVEL RESIDENCIAL, DESDE QUE MANTIDA SUA DESTINAÇÃO HABITACIONAL. EXEGESE DA SÚMULA N. 364 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. O IMÓVEL OBJETO DA CONSTRIÇÃO JUDICIAL OSTENTAVA, DESDE ANTES DA SEPARAÇÃO, A CONDIÇÃO DE RESIDÊNCIA FAMILIAR, SENDO INVIÁVEL A PRESUNÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO NA HIPÓTESE. RECONHECIDA A PROTEÇÃO DO ART. 1º DA LEI FEDERAL N. 8.009/1990, POR AUSÊNCIA DE EXCEÇÃO LEGAL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. A ausência de registro da transferência no cartório imobiliário não tem o condão de infirmar a posse legítima da apelante, tampouco de afastar a proteção legal conferida ao bem de família, sendo admitida a oponibilidade da impenhorabilidade mesmo na ausência de registro formal, desde que comprovada a destinação residencial do imóvel, na exata medida em que "a caracterização do bem de família decorre das circunstâncias fáticas de sua utilização como residência familiar, e não de aspectos formais registrais ou da realização de partilha. A mera ausência de averbação da partilha na matrícula imobiliária não tem o efeito de desnaturar a proteção conferida ao bem" (STJ, REsp n. 2.111.839/RS, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJEN de 14/5/2025). "Sobre a fraude envolvendo bem de família impenhorável, a jurisprudência atual desta Corte entende que o parâmetro crucial para discernir se há ou não fraude contra credores ou à execução é verificar a ocorrência de alteração na destinação primitiva do imóvel - qual seja, a morada da família - ou de desvio do proveito econômico da alienação (se existente) em prejuízo do credor. Inexistentes tais requisitos, não há alienação fraudulenta. 8. Assim, havendo alegação de alienação em fraude à execução envolvendo bem de família impenhorável, será necessário analisar: I) se, antes da alienação, o imóvel já se qualificava como um bem de família, não incidindo nenhuma exceção legal, como aquelas previstas no art. 3º da Lei nº 8.009/1990; e II) se, após a alienação, o imóvel manteve a qualidade de bem de família, ou seja, se continuou a servir de moradia à entidade familiar." (STJ, REsp n. 2.142.338/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJEN de 17/2/2025). No caso, tendo o imóvel preservado, desde sua aquisição, a natureza jurídica de bem de família, a posterior alienação da fração ideal pertencente ao ex-cônjuge devedor à ex-mulher, em decorrência da partilha realizada no âmbito da separação judicial, não possui o condão de desnaturar tal característica, sobretudo diante da continuidade da destinação residencial do bem pela embargante. Nessa perspectiva, revela-se incabível a invocação de fraude à execução, porquanto ausente qualquer elemento que denote intuito de ocultação patrimonial ou de frustração da atividade executiva. Ademais, seria logicamente contraditório presumir a ocorrência de fraude com fundamento exclusivo na dissolução do vínculo conjugal, pois, caso o divórcio não houvesse ocorrido, a impenhorabilidade do bem seria manifesta e incontestável. (TJSC, Apelação n. 0307053-89.2019.8.24.0020, do , rel. Jaime Ramos, Terceira Câmara de Direito Público, j. 24-06-2025).
No caso dos autos, é incontroverso que o imóvel matriculado sob o n. 4.067 servia - e serve - de residência aos agravantes. A própria decisão agravada reconhece expressamente que o credor não nega que as partes residem no bem.
A doação da nua-propriedade a Samuel Cardoso, portanto, não altera a situação fática do imóvel, pois ainda persiste o usufruto em favor de Walli.
Dessa forma, o reconhecimento da fraude à execução, ainda que sobre 50% do imóvel, carece de interesse, na medida em que nenhuma constrição poderá ser efetivada. Eventual penhora sobre esta fração, por certo, acarretaria o afastamento compulsório das agravantes do lar, situação exata que a Lei n. 8.009/90 visa impedir.
Destarte, comprovado que o imóvel não perdeu sua característica de bem de família, a manutenção da impenhorabilidade é a medida de rigor, tornando inútil o reconhecimento de fraude na doação.
Com efeito, o decisum vergastado comporta reforma.
Por fim, inviável a fixação de honorários advocatícios nos moldes do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, porquanto não houve fixação da verba honorária sucumbencial em primeiro grau.
Advirto as partes que a interposição de recurso contra esta decisão, se declarado manifestamente inadmissível, protelatório ou improcedente, poderá acarretar na condenação às penalidades fixadas nos arts. 1.021, § 4º ou 1.026, § 2º, ambos do CPC.
Ante o exposto, conheço e dou provimento ao recurso, para, reformando a decisão objurgada, afastar o reconhecimento de fraude à execução sobre o imóvel matriculado sob n. 4.067 e reforçar a impenhorabilidade do bem de família.
assinado por ERICA LOURENCO DE LIMA FERREIRA, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7051553v11 e do código CRC 227349be.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ERICA LOURENCO DE LIMA FERREIRA
Data e Hora: 12/11/2025, às 16:56:38
5055958-66.2025.8.24.0000 7051553 .V11
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:09:07.
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